Quando falamos de bandas como o Sonic Youth, é fácil se perder no meio de tantas obras marcantes e icônicas. Afinal, estamos falando de uma banda com quinze discos de estúdio, fora os inúmeros EPs que influenciaram diferentes bandas, do Nirvana ao The War on Drugs. É fácil também, nesse caso, esquecermos de álbuns que deveriam ser mais reconhecidos; esse é o caso de Rather Ripped, o décimo terceiro da banda, lançado em 2006.
Apesar de ter uma das canções mais famosas do Sonic Youth – “Incinerate” é uma das cinco canções mais reproduzidas da banda no Spotify, o álbum é frequentemente esquecido em rankings de discografia e colocado abaixo até mesmo de outros discos do SY que são da mesma década, como Murray Street (2002) e Sonic Nurse (2004).
É claro também que não há comparação entre Rather Ripped e os maiores clássicos dos nova-iorquinos, como Sister (1987), Daydream Nation (1988) e Goo (1990). Entretanto, o álbum pode sim ser considerado um dos grandes trabalhos do Sonic Youth, principalmente se relembrarmos o contexto em que o quarteto composto por Kim Gordon, Thurston Moore, Lee Ranaldo e Steve Shelley se encontrava na segunda metade dos anos 2000.
Nesse sentido, dois pontos históricos sobre o Sonic Youth merecem ser ressaltados ao analisarmos Rather Ripped; o primeiro deles é que o álbum é o último trabalho do SY lançado pela Geffen Records, representando o fim de uma parceria de quase 20 anos, que começou com Goo e que representou a inserção do Sonic Youth no experimentalismo, especialmente à partir de Washing Machine (1995).
O segundo ponto, e talvez o mais importante deles, é o fato de que Rather Ripped é o primeiro álbum sem a colaboração do multi instrumentista Jim O’Rourke, responsável pelo baixo, guitarra e sintetizadores nas gravações da banda de 1999 até 2005. Jim foi um ponto chave para que se tivesse provavelmente o período em que o Sonic Youth mais se afastou do noise/post-punk que o consagrou ainda na década de 80, e tenha se transformado em uma banda ainda mais experimental. Um exemplo disso é que foi justamente durante esse período que era mais frequente vermos músicas do Sonic Youth mais longas do que o comum.
As duas questões acima citadas, se somadas, ajudam a entender como Rather Ripped foi construído. O trabalho é uma síntese de uma banda com quase 30 anos de carreira, e que no meio desse caminho, sempre demonstrou habilidade em se arriscar e estar disposta a tentar novos tipos de som. Assim fica mais fácil também compreender os porquês de Rather Ripped ser um dos álbuns mais acessíveis da carreira do Sonic Youth; o fim de uma parceria que se traduz também como uma fase importante da banda, mostrando que o SY ainda buscava novos ares, e a saída de um músico que, especialmente com as guitarras, deixava a estética musical do grupo muito mais agressiva e experimental.
O ponto é que, além de ser um disco com sonoridade mais pop (talvez a maior da carreira do SY), alguns aspectos de Rather Ripped o transformam em um trabalho especial; é nele que provavelmente temos a melhor colaboração de Kim Gordon, uma mulher que não apenas fez com que o Sonic Youth se tornasse uma banda especial, mas que transformou o rock pra sempre. Canções como ‘What a Waste’ e ‘Turquoise Boy’ demonstram como Gordon é uma excelente vocalista, capaz de transmitir diversas emoções na voz. Além disso, podemos ver ela novamente entrosada com Lee Ranaldo, formando dupla com o mesmo nas guitarras em ‘Rats‘.
Outro aspecto de destaque em Rather Ripped é como o álbum é trabalhado em ironias, algumas propositais e outras que ganham ainda mais sentido se pensarmos no que veio depois. É irônico pensarmos como uma música chamada ‘Jams Runs Free‘ é um dos pontos altos de um trabalho que não é marcado por improvisações; outro exemplo disso mora nas composições, quase todas com temáticas amorosas, e recheadas de easter eggs que podemos relacionar com o casamento de Thurston e Kim, como no caso de ‘Reena’: “Você me faz voltar para casa novamente”, ela diz no refrão da faixa, que também apresenta uma provável amante da amada do eu-lírico: “Os olhos dela são castanhos ou azuis?/Como ela se mantém estaticamente descolada?”.
Vale lembrar que o Sonic Youth entrou em hiato após o divórcio de Moore e Gordon, causado pelas inúmeras traições de Moore. Mais detalhes podem ser encontrados na ótima biografia de Kim, ‘A Garota da Banda’. Fato é que Rather Ripped serve como um prenúncio do que iria ocorrer, e fica cada vez mais claro que esse foi o último trabalho em que o SY era de fato uma banda coesa.
Por fim, outro aspecto, puramente sonoro, é como a ausência de uma suposta agressividade faz com que enxerguemos os excelentes músicos que formavam o Sonic Youth (não é a toa que todos possuem carreiras solo bem-sucedidas). É impossível não se apaixonar pelo instrumental limpo que faz com que escutemos cada acorde tecnicamente perfeito da guitarra de Ranaldo e do baixo de Kim; além disso, essa ambientação sonora torna Rather Ripped como um dos pontos altos de Moore como vocalista. Canções como ‘Incinerate’, ‘Do You Believe in Rapture?’ e ‘Pink Steam’ comprovam toda a sua versatilidade como vocalista. A performance de Shelley na bateria também é excelente, mesmo em um álbum que, como dito anteriormente, não é agressivo.
Os elementos que constroem Rather Ripped servem como a prova fundamental de que o Sonic Youth foi uma das grandes bandas da história; com o álbum, conseguimos notar que uma banda marcada por ser um dos grandes nomes do post-punk e do rock experimental conseguiu também entregar um trabalho magnífico mesmo se utilizando de uma veia mais pop, confirmando também o dom dos integrantes em saber equilibrar momentos calmos e densos. Rather Ripped pode não ser um clássico, mas é uma bela amostra do que o Sonic Youth era capaz.
Sonic Youth – Rather Ripped
Lançamento: 13 de Junho de 2006
Gravadora: Geffen
Gênero: Rock alternativo
Produção: Sonic Youth & John Agnello
Faixas:
01. Reena
02. Incinerate
03. Do You Believe In Rapture?
04. Sleepin’ Around
05. What A Waste
06. Jams Runs Free
07. Rats
08. Turquoise Boy
09. Lights Out
10. The Neutral
11. Pink Steam
12. Or