Capa de Gag Order, álbum da Kesha.
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Review: Kesha – Gag Order

Em 2021, com a frustração de um álbum feito para as pistas e lançado nas vésperas do escuro pandêmico, Kesha se reuniu com o mega produtor Rick Rubin no estúdio Shangri-La Records em Malibu, para discutir seu então futuro projeto, que chegou ao mundo neste mês. 

Cru e sem os adereços visuais e sonoros que a fizeram uma figura icônica da década de 10’s, Gag Order é o primeiro projeto de Kesha que não se apresenta como uma resposta aos seus antecessores. Por instância, em Warrior (2012) a artista explorou em canções uma sonoridade acústica, folk e rock ao lado de nomes como Iggy Pop, Wayne Coyne e Julian Casablancas como uma antítese ao pop glitterizado de Animal+Cannibal (2009/2010). Ou mais recentemente no álbum High Road (2020) em que, sob o motto dos Beastie Boys “fight for your right to party!”, a cantora de Nashville reivindica seu direito  à alegria banal e o desejo de fazer músicas descontraídas e sem a dor explícita que percorre seu atestado de singer-songwriter: o álbum Rainbow (2017).

Não só produzido mas, também, essencialmente inspirado pelo mago Rick Rubin, Gag Order narra o despertar espiritual de Kesha em meio a megaexposição de seus traumas, que aqui ganham voz, ironicamente contradizendo o título do álbum, que, em uma tradução jurídica equivalente, seria “segredo de justiça”, em alusão ao status de seu processo contra seu ex-produtor e abusador Dr.Luke.

Material visual de Kesha para o seu novo álbum, Gag Order
Kesha na era Gag Order. [Foto: Reprodução/Instagram]

Declarado pela artista como “post-pop”, sonoramente, o álbum dispensa parecer qualquer outra coisa senão música.

Sem os escapes lúdicos de seus antecessores, performando a própria premissa estética do gênero de “superar por revelar o mecanismo”, o projeto deságua em uma sonoridade muito crua que preza pela nitidez das camadas de timbres que o compõe, e atinge tal objetivo com eficácia em “Eat The Acid”, uma balada espiritual inspirada por conselhos de sua mãe, Pebe Sebert, e por David Lynch e seu método de meditação transcendental.

Guiada por um baixo eletrônico que a protagoniza e se mistura a violadas reminescentes ao folk/blue-grass e um synth choir, a faixa co-escrita com a compositora Pebe Sebert (a supracitada mãe de Kesha) cumpre o papel sintetizador estético e simbólico de uma title-track no primeiro disco da artista sem uma faixa homônima ao álbum. 

Um passo atrás, temos a abertura do disco “Something To Believe In” que é – apesar de surpreendente – exatamente o que poderíamos esperar de Kesha. Sua hereditária persona neo-hippie, apresentada de forma saturada e quase caricata anteriormente, ganha vida de forma visceral nessa incursão que é o meio termo entre a espiritualidade holística da obra de George Harrison e a busca por “algo maior” de Madonna no místico Ray Of Light

Gag Order apresenta a todo tempo fragmentos de leituras e depoimentos do guru e escritor Ram Dass, colocando-o em jogo como uma figura central da construção de seu discurso. Incluindo uma interlude com seu nome em que, como se pode imaginar, é sampleada uma de suas gravações de meditação guiada.

Diferentemente de artistas que fazem menções pálidas e superficiais à espiritualidade como um tópico para uma imagética rasa que cativa leigos, a busca por algo maior em Gag Order é uma negação ao desespero, à ira e ao vazio presentes em quase todas as faixas. Além disso, não é um artifício para sua imagem, que foi concebida em colaboração com Brian Roettinger e Vincent Haycock, e valoriza visuais crus e referências pontuais à arte contemporânea, como Chris Cunningham e David Wojnarowicz.

“Untitled (Face in Dirt)”, obra de David Wojnarowicz (1992-93), foi uma das referências visuais de Kesha. [Foto: Reprodução]

Sem muitas oscilações, o álbum mantém o ritmo e também entrega aos fãs da antiga Ke$ha (ainda com cifrão) momentos como a épica oração raivosa “Only Love Can Save Us Now” e a co-produção de Hudson Mohawke em “Peace & Quiet”. Contudo, seu ápice acontece logo depois da doce “All I Need Is You”, em “The Drama” que, com sample de Ramones e muitas curvas de produção, narra a autodestruição de maneira bastante idiossincrática. “Only Love Reprise” e seu ar de inocência embalado por sopros deliciosamente naïf retomam o gancho do álbum em seu último ato, que tem como desfecho “Happy”, a faixa de encerramento que segue a tradição de emularsua tão sonhada abdução como em “Past Lives” e “Spaceships”, encerramentos de Warrior (2012) e Rainbow (2017) respectivamente. 

No amanhecer ensolarado do último álbum de seu traumático contrato com a Kemosabe Records de Dr.Luke e com o ar fresco de alguém que ainda tem muito a explorar e surpreender, Gag Order é – até o momento – o grande álbum de Kesha, a ser superado somente pelo mesmo mecanismo que o produziu: a honestidade.

Capa de Gag Order, álbum da Kesha.

Kesha – Gag Order

Lançamento: 19 de maio de 2023
Gravadora: Kemosabe Records/RCA
Gênero: Art Pop, Experimental, Electronic, Psychedelic Pop
Produção: Kesha Sebert, Rick Rubin, Stuart Crichton, Jason Lader, Hudson Mohawke, Jussifer, Drew Pearson e Stint.

Faixas:
01. Something To Believe In
02. Eat The Acid
03. Living In My Head
04. Fine Line
05. Only Love Can Save Us Now
06. All I Need Is You
07. The Drama
08. Ram Dass Interlude
09. Too Far Gone
10. Peace & Quiet
11. Only Love Reprise
12. Hate Me Harder
13. Happy