Divisor de águas na indústria nacional, Rodrigo Gorky é responsável por sucessos como “K.O”, “Amor de Que” e “Desce Pro Play”. Ex-Bonde do Rolê, o produtor deu nova cara ao pop brasileiro quando migrou do palco para a mesa de produção, onde produziu Pabllo Vittar, Anitta, Iza e Charli XCX.
Integrante do time Brabo Music – junto a Arthur Marques, Zebu, Maffalda e Pablo Bispo, o produtor curitibano desafia fórmulas genéricas ao mesclar referências pop com experimentalismo, dando vida a feitos inéditos – como um híbrido de gospel e trance, que tão paródico quanto profético, ocupou o cobiçado Top 3 do Spotify Brasil.
Direto de sua quarentena, Gorky abriu seu coração para falar de suas inspirações, novos projetos e o preconceito na indústria fonográfica. O resultado você confere abaixo.
Eu não podia começar sem perguntar isso, como tem sido sua quarentena? O que tem escutado?
Nossa, cansativa viu, mas estamos tentando fazer as coisas… Por incrível que pareça não tenho escutado muita coisa não… Pra ser bem honesto, eu tenho visto muita coisa. Ontem terminei de assistir o seriado de Sandy & Junior, chorei e o que é mais bizarro é que eu não vivi essa época! Eu sou de uma geração antes. Sandy é de 81, eu sou de 80. Então assim quando eu tinha 10 anos eu já escutava Madonna, Erasure, Roxette, etc. Não era muito ligado no “Maria Chiquinha”.
O documentário é muito bonito, como eu falei: chorei. Eles fizeram um show pra 1.2 milhões de pessoas em João Pessoa, um show de graça e lotaram… Ingressos esgotados, 100 mil pessoas, fizeram o Rock In Rio deles. Uns dos maiores popstars do Brasil, não escuto mas respeito pencas.
E quais seus lançamentos favoritos de 2020?
Gostei do EP da Kali Uchis, amei o disco novo da ARCA, o 111 (risos). Eu gostei do disco da Kehlani.
E entre os mais “hypados”, tipo Chromatica e Future Nostalgia?
O Chromatica é melhor que os últimos álbuns da Lady Gaga, com certeza! O da Dua Lipa eu lembro de uma coisa que eu ouvi um amigo meu falar do Erasmo Carlos; esse amigo tava gravando Erasmo e ele tava assim “Cara, vamos fazer aquelas coisas estilo seu som dos anos 70, aquelas distorções meio estranhas etc” aí o Erasmo virou pra esse meu amigo e falou “Cara, o que pra você é vintage, pra mim é velho. Eu já fiz no passado”.
Então assim, tem muita coisa ali que a Dua Lipa e o The Weeknd fazem, não que sejam ruins, mas eu já passei por aquilo, eu já ouvi aquilo, não é nada novo pra mim… É muito bem feito, composições muito boas, mas sei lá, já passei por esse momento “disco”. Não nasci nos 70’s, mas já passei por uma fase disco e pra mim não soou “novo”, mas ela fez super bem.
Como começou tudo? Como a música surgiu na sua vida?
Meus pais! Meus pais sempre foram de música. A gente sempre tinha muita música em casa. Desde pequeno sempre fui muito ligado a música, sempre gostei muito de ouvir coisas diferentes. Acho que foi assim, desde pequeno ouvindo muita música. Nunca fui muito o cara de querer aprender instrumento, sempre fui mais de ouvir e dar pitaco.
E a produção?
A produção começou a acontecer quando eu tinha 18/19 anos. O que acontecia: eu tinha bandas e como eu não era bom tocando, eu falava “Peraí gente, deixa eu pegar um microfone aqui vamo gravar”… Fazer do meu jeito as coisas. Eu sempre fui muito ligado a esse outro lado, porque eu sempre fui a pessoa que não sabia tocar direito mas compensava de outro jeito.
Num panorama geral, quais são suas inspirações e referências?
Tem muita gente incrível e de épocas diferentes, planejamentos diferentes e tudo mais. Você pega por exemplo, Madonna e Björk, elas com poder grande na mão, ao invés de ficar correndo atrás do que estava na moda na época, elas sempre estavam um passo a frente, sempre corriam atrás de pessoas para fazerem a “próxima coisa” ao invés de ficar correndo atrás do que já foi feito, sabe? Isso que eu acho muito legal!
Tem pessoas que hoje em dia são assim: Charli XCX é assim. Pabllo Vittar abraça isso de um jeito incrível, ela entende esse pensamento, não quer se repetir. Ela quer estar um passo à frente, quer que exista um estranhamento mas que todos estejam escutando aquilo daqui seis meses. Isso me lembra uma expressão que eu lia na BIZZ, “Cachorro velho correndo atrás dos cachorros novos”. Sabe quando tem um monte de cachorro junto, daí os novinhos tão sempre correndo e tem aquele velho que sempre chega atrasado?! Acontecia muito isso que inclusive acontece até hoje: se música x faz sucesso vai ter um monte de gente copiando depois.
No fim, o que importa é a música.
E vocês da Brabo trabalham e revelam bastante gente nova, não é?
Ao contrário do que as pessoas falam e me xingam no twitter – tanto é que eu fiz uma thread lá outro dia -, o número de pessoas com quem a gente trabalha é absurdo! Desde o primeiro lançamento da Pabllo; o primeiro single da Pabllo tem Omulu como co-produtor, o primeiro disco tem gente que já trabalhou com Miley Cyrus, Beyoncé. Tem um monte de gente envolvida mas a gente tem que deixar a música falar pela gente, não é ficar falando “a gente trabalhou com fulano, a gente trabalhou com não sei que lá”. No fim, o que importa é a música.
Nos dias de hoje, todo mundo fica muito focado nesse rolê dos números e tudo mais… Uma coisa que todo mundo do nosso time fala é: se você gostou da música, então pronto! Se ela não for #1 você vai deixar de gostar da música? A gente às vezes acaba caindo nessa coisa toda, mas é muito escroto… Eu não gosto desse mundo de charts. É muito legal a gente ser reconhecido, “Rajadão” pegou #3… algo que a gente nunca esperou! Quando que uma música tão estranha daquelas ia chegar num Top 3, entende? “Ah mas no dia seguinte caiu para x posição”. Foda-se, gente! Vocês gostaram da música?! É isso que importa no fim das contas.
A gente sempre busca trabalhar com quem admiramos, quem a gente escuta, ao invés de ficar correndo atrás de quem “tá na moda”, sabe? A gente tem que ditar as coisas, a gente não pode ir correndo atrás.
E quais artistas te inspiram nesse ponto?
Por exemplo, a Madonna nos anos 90 era mega de vanguarda, assim como a Björk. Ela pegava pessoas que não tinham nada a ver e fazia aquilo se transformar no “novo normal”. Ela trabalhou com a Björk em 1994/1995 no Bedtime Stories, com William Orbit no Ray Of Light e então ela fez o Music com Mirwais, que é um disco incrível! “Music” tem uma nota a música inteira! É absurdo você pensar que uma música tão grande e que fez tanto sucesso tem literalmente uma nota. Eu como produtor vejo isso e é isso que me inspira, é isso que eu tomo como referência. A gente tenta fugir do que o povo tá fazendo e sempre pensar a frente, então minhas referências são sempre essas pessoas que querem dar um passo à frente.
O que mudou do Rodrigo Gorky do ‘’O Bonde do Rolê’’ para o Gorky de hoje em dia?
Eu acredito que assim… aprendi a escutar mais no sentido de feedback, porque eu sai da frente e fui para trás, né?! Eu tenho um outro olhar sobre as coisas agora. Eu não imponho a minha visão aos artistas com que trabalho, eu mostro e falo “Eu pensei nisso aqui e aí o que cês acham?“. A gente sempre tenta ver a verdade do artista, é uma coisa que eu aprendi muito saindo da frente do palco e indo pro lado do palco.
A música tem que te trazer algum sentimento!
Trazer uma verdade!
O que define uma boa produção?
O que define uma boa produção pra mim são ideias criativas dentro da produção, sons novos, sentimento na música, composição, acorde, letra… É um combinado de coisas. A música tem que te trazer algum sentimento! Trazer uma verdade! Pode ser tristeza, alegria, raiva, qualquer coisa… Tem que afetar!
Com quais artistas você tem vontade de colaborar?
Com a SOPHIE, ARCA… Queria muito trabalhar com Justin Tranter, que é um compositor incrível! Tove Lo, El Guincho seria incrível! Eu o conheço há mais de 10 anos, eu fiz um remix pro primeiro disco dele, aí ele veio pro Brasil com o segundo disco e hoje em dia ele é o Gorky da Rosalía.
Você já disse em outras ocasiões que a aceitação inicial da identidade sonora que você desenvolveu misturando funk, rock e eletrônica foi maior internacionalmente na época do Bonde do Rolê. Hoje, que a aceitação dessa mistura de gêneros é bastante expressiva no Brasil, enquanto um dos pioneiros disso tudo, você acha que em que momento ocorreu essa ruptura e aceitação em nosso país?
Cê já viu um vídeo daquela sexóloga ensinando as pessoas a fazer anal? É um vídeo muito velho, acho que do SBT… Ela diz “Entrou um dedinho, opa! Que susto!”, vai acostumando e acostumando, e daí quando você vê já entrou o braço inteiro dentro. Foi bem assim (risos).
Foram vários artistas e várias coisas que foram acontecendo que fez isso mudar e crescer. Tinha gente antes de mim que fez isso, como teve depois, cada vez abrindo mais esse “cu” aí (risos).
Você é abertamente gay e já trabalhou com vários artistas LGBTQ+ como Pepita, Pabllo Vittar, Urias, Mateus Carrilho etc. E é muito curioso que esse boom de artistas queer na música tenha acontecido na contramão de uma onda crescente de conservadorismo mundial. Minha pergunta é: ainda existe muita discriminação na indústria da música? como é ser resistência?
É muito difícil mas de novo: é o mesmo exemplo do cu ai em cima… Ainda existe muito preconceito, discriminação, boicote, mas aos pouquinhos a gente tá laceando. E a gente só consegue fazer isso batendo de frente o tempo inteiro e é por isso que o principal dessa história toda é: não trabalhe com números! Eu odeio tanto quando as pessoas querem comparar Pabllo com Anitta, sabe? Anitta é popstar, é outra coisa. Pabllo, hoje ela tá em um lugar incrível, nunca ninguém chegou lá. Do mesmo jeito que não tem como comparar com Ludmilla. São as três maiores e cada uma delas tem a sua verdade e é por isso que elas tão lá onde estão. Ficar comparando é horrível!
Pabllo conseguiu colocar todas as músicas do NPN no top 40 do Spotify. Como Pabllo mesmo o diga “um viadinho de peruca”… Isso é incrível! Quando que você viu isso na vida? Uma drag ganhar o EMA? Quando você viu uma drag brasileira como maior drag queen do mundo? A galera leva a sério, sabe!? Não leva como piada. Quando eu era criança tudo isso era visto como alívio cômico, os transformistas do Silvio Santos… era um circo de horrores! Todo mundo é gente sabe… Pra mim vale muito mais o feito, o trabalho, a representatividade que números.
O que podemos esperar de novo?
Pabllo tem novidades: a edição de luxo do disco e mais coisa vindo aí. Provavelmente terá o 111 Remixes, tenho que sentar com a PV pra gente ver isso. Virou meio que tradição depois que fizemos dos dois primeiros. E tem um outro projeto que é meio megalomaníaco, em parceria com um amigo lá de fora. Quero colocar um monte de gente que sou fã, um monte de gente das antigas, dos anos 60, 70 e 80 que eu quero que participe do projeto. Ainda mais agora com esses tempos de pandemia vai ser um pouco difícil de conseguir juntar todas essas pessoas… Mas tô com calma desenhando isso.
Não espere as coisas acontecerem,
faça acontecer!
Que conselho você daria para quem quer trabalhar com música?
Não espere as coisas acontecerem, faça acontecer! Não espere por oportunidades, chances, etc, senão nunca vai rolar nada… Você tem que fazer o corre! Tem que correr atrás… “Ah mas é difícil”. “Ah mas eu não tenho dinheiro”… Cara eu comecei no computador dos meus pais, aquele que ficava travando a cada 5 min… Maffalda ia pra uma lan house instalava os programas, salvava o que fazia num pendrive e desinstalava os programas… toda vez isso! Então assim, quem quer, consegue!
O principal ponto é: não ponha empecilhos! Não espere por oportunidades, faça as suas! Um exemplo de vida meu é: quando mais novo eu sempre falava “quando eu crescer eu quero ser o cara que fica sentado na gravadora com um monte de fita e cd na frente falando: Eu gostei desse, não gostei daquele. Esse artista grava, esse não grava”. Eu nunca tive chance de fazer isso na vida através uma gravadora, aí eu fiz isso sozinho! Meu trabalho hoje é basicamente esse. Meu trabalho dos sonhos só que do meu jeito porque eu nunca recebi oportunidade de fazer isso de um jeito tradicional, então eu corri e fiz negócio acontecer do seu jeito. Se colocar empecilhos, desiste! Porque não é fácil.
Nada que vem fácil nessa vida é legal, você não dá valor no fim das contas.