Acho que não existe nesse mundo uma pessoa mais descolada que o Stephen Bruner. Sob o nome artístico “Thundercat” (que é sim inspirado no desenho Thundercats dos anos 80), ele vem ganhando mais e mais notoriedade por ser um baixista virtuosíssimo e por misturar, de forma muito original e moderna, o jazz com funk, soul, R&B, rock e hip hop. Ele é de Los Angeles e tocou por bastante tempo na lendária banda Suicidal Tendencies, que mistura thrash metal, punk e hardcore. Thundercat também já tocou com muita gente legal, como Kendrick Lamar, Kamasi Washington, Erykah Badu, Snoop Dogg, Flying Lotus e Pharrell Williams. Já entendeu o quanto ele é versátil, né? Ah, ele também levou um Grammy por melhor colaboração de rap/canto com a canção “These Walls”, do disco “To Pimp a Butterfly”, do Kendrick. Não é fraco, não.
Ele já tinha se apresentado no Brasil com o Suicidal Tendencies e com seu projeto solo, em um show elogiadíssimo no festival Jazz na Fábrica, que aconteceu no Sesc Pompeia em 2017. Essa semana, tocou em um Cine Joia abarrotado e no Circo Voador, no Rio.
A recente turnê pelo Brasil faz parte do festival Jazz All Nights e conta com a mesma banda de apoio do ano passado: os excelentes Dennis Hamm e Justin Brown, respectivamente tecladista e baterista. O power trio é de cair o queixo. Tive o privilégio de vê-los em São Paulo e é impossível não se impressionar com a habilidade e o entrosamento dos três músicos. Apesar de ser um show mais calmo, o público estava empolgadíssimo, cantando todas as músicas. A maior parte do setlist era do disco Drunk, seu terceiro álbum solo.
Minha única crítica é o show ter começado tarde. Marcar pra começar às 22h em plena quarta-feira é sacanagem. Gente, aceita: show não é balada. Seria lindo poder voltar pra casa de metrô e dormir dignamente, ainda mais no meio da semana e tendo que entrar cedo no trabalho no dia seguinte. Pior ainda, a apresentação atrasou e foi começar quase às 22h30.
Agora, vamos falar da figura Thundercat. Ano passado, ele tocou no Sesc de legging amarela. Ontem, subiu ao palco com uma calça de moletom vermelha, meia colorida e papete branca de plástico. Na cabeça, um gorro com ponta de pom pom com “Compton” bordado na frente. Super de boas, relaxado, tranquilão. Nunca vi ninguém mais cool. Ele fica tão à vontade no palco que parece que você está na sala da sua casa, vendo ele tocar enquanto conversa, toma um café e conta uns causos. E, apesar de ser um som virtuoso e cabeçudo, super complexo e cheio de técnica, ele não perde o feeling jamais. O que faz do som do Thundercat uma coisa tão diferente e admirável é justamente isso. Tem malemolência, groove, sentimento, coração. Não é um show frio cheio de exibicionismo. Ele pegou o jazz fusion e o transformou em uma coisa contemporânea e interessante de novo. Apesar de os músicos tocarem MUITO, tudo o que eles fazem integra bem demais cada parte das músicas e o show não fica cansativo. Isso sem falar da habilidade vocal do cara. Thundercat abusa do falsete, mas nunca desafina e é um dos poucos cantores que faz isso sem soar forçado. Ele vai de um grave denso e aveludado para um agudo altíssimo e afinadíssimo em uma mesma canção, sem esforço.
O baterista toca forte, com muita lata e intensidade, se entregando totalmente. Eu vi várias vezes pedaços de madeira voando pelo palco – pedaços da baqueta. O baixo semi acústico de seis cordas que Stephen toca é lindão e também impressiona – e ainda tem o símbolo dos Thundercats estampado na parte de trás.
O final do show foi a parte mais empolgada, com as canções mais dançantes -os destaques foram Friendzone e Tokyo. A música escrita em homenagem à capital do Japão tem história e Stephen fez questão de conversar com a plateia e contar como ama o país. “Estamos no bairro japonês da cidade e eu preciso dizer o quanto amo Tóquio. Se um dia vocês tiverem a chance de ir para lá, não vacilem! Porque é fodaaaa!”, disse ele, rindo. “Vamos dar um salve para o Dragon Ball! Quem mais aqui adora Dragon Ball?” – e aparece um maluco na pista com a icônica camiseta laranja do animê.
A letra de “Tokyo” conta como Stephen começou a se interessar pelo Japão: “Eu fui ao dentista e ele me deu um brinquedo. Era do Dragon Ball. O Goku acabou comigo”. Antes de “Friendzone”, ele disse o quanto gostava de jogar videogame e dedicou a música para todos o nerds que só pensam em jogar. A letra também é ótima: “Ninguém quer ficar na friendzone. Não me ligue e não me mande mensagem depois das duas da manhã. Eu tô melhor sem você”.
Ao final do show, ele disse que amava o Brasil trocentas vezes e, algumas horas depois, postou esse tweet emocionado:
A gente também te ama, Thundercat.