Na mitologia grega, Afrodite (ou Vênus na mitologia romana) não era vista apenas como a deusa da beleza e do amor, mas como a perpetuação da vida; uma personificação da natureza como um todo. É como se a própria exaltação ao feminino e o sentimento amoroso fosse inerente aos seres vivos, e isso cobrisse todos nós. De certa forma, Kali Uchis traz esse mesmo sentimento com Red Moon In Venus, seu terceiro álbum de estúdio.
O nome do trabalho já anuncia: esse é um disco sobre amar e ser amado e sobre se desapontar por conta disso. Em resumo, um álbum que soa como uma síntese do ciclo do amor. Também é importante destacar que essa não é uma temática nova para a artista colombiana radicada nos EUA: Isolation (2018) e Sin Miedo (del Amor y Otros Demonios) (2020) emanam essa energia de paixão.
O amor é um background importante na obra de Kali, que sempre se mostrou uma artista visceral em seus sentimentos. Em entrevistas, ela já declarou que a difícil relação com os pais a fez entrar em relacionamentos tóxicos e paixões passageiras. É possível dizer que Kali sente e já sentiu na pele tudo que profere nas suas letras.
Red Moon In Venus mantém esse sentimento e a estética sonora que consagrou Kali como artista. Ela continua a percorrer a fronteira do R&B experimental e com uma aura chique com o som de uma verdadeira pop star, capaz de arrebatar multidões. Porém, no novo disco, ela volta a cantar em inglês e opta por uma atmosfera mais intimista do que em Sin Miedo.
O álbum abre com o interlúdio “In My Garden…” e o single “I Wish You Roses”, e ambas geram perspectivas diferentes sobre o amor. A primeira é quase uma mensagem recordada para um amante; enquanto isso, a segunda soa como uma carta de lamentação. O refrão traduz bem essa sensação: “Ooh, never thought I would be without you / I wish you love, I wish you well / I wish you roses while you can still smell ’em.” Algo típico de quem ainda não superou um sentimento.
“Worth the Wait”, colaboração de Kali com Omar Apollo, estabelece limites entre o sexual e o romance, além de refletir o medo da cantora em se tornar a matriarca de uma família quebrada ou fechada para o sentir (“Quit tellin’ me you wanna put a baby in me / If your affection for me’s truly only skin-deep / I don’t wanna end up just another broken family”). Em seguida, “Love Between…” volta com uma visão mais positiva sobre o amor, enquanto continua com a voz poderosa da cantora para passar a mensagem certa.
“All Mine” fala sobre as pessoas que se doam 100% a um parceiro e querem isso de forma recíproca, e mais do que isso, é uma declaração da própria Kali de que a mesma é assim. Isso é ainda mais declarado em “Fantasy”, música que fez em parceria com o seu namorado Don Tolliver. Nessa faixa, Kali reafirma a necessidade de se sentir como uma rainha – e que apesar de algumas falhas de comunicação, atualmente se sente dessa forma no sentido amoroso. Aliás, a música é um dos pontos altos de Red Moon in Venus, já que passa toda a química que o casal tem na sua relação e também no trabalho.
Em “Como Te Quiero Yo” , ela combina seu inglês e espanhol para afirmar que o amor não se trata sobre ser perfeito, mas sobre o que você acha que merece. Em “Hasta Cuando”, o primeiro sinal de amargura: é nessa faixa que vemos Kali pela primeira vez abordando um amor passado que não a apoiou quando mais precisava. Não pelo pessimismo, mas pela sonoridade, a canção acaba até soando um pouco mais solta do álbum.
“Endlessly” é como um respiro para a música anterior, onde Kali oferece mais uma chance para o amor – enquanto recebê-lo de volta. Mas, aparentemente, esse início de amargura em Red Moon in Venus é algo que não tem volta, e “Moral Conscience” é um exemplo. Em meio a um instrumental que beira o grandioso e o silencioso, Kali diz que algumas experiências anteriores de sua vida é um incentivo (mesmo que questionável) para que ela continue na sua procura por um relacionamento duradouro: “Lost myself a while back, tryna make peace with my past”.
“Not Too Late”, “Blue” e “Deserve Me” (com participação de Summer Walker), formam uma sequência que faz todo o sentido nessa altura de Red Moon in Venus. Nas três músicas, Kali soa mais consciente sobre a importância de não colocar um parceiro em um pedestal – tanto para se valorizar quanto para evitar possíveis decepções. É como se a trinca fechasse o tal ciclo de amargura iniciado anteriormente no disco, uma espécie de Quebra de Ilusões se considerarmos literalmente a temática do Ciclo do Amor.
Por fim, volta a leveza tanto do disco quanto da própria Kali com “Moonlight”, um dos primeiros singles lançados para o álbum. É possível imaginar Kali sob a luz do luar à espera do amor de novo, querendo algo leve para a sua vida. “Happy Now” fecha essa transição, e até por isso é a mais dançante do disco (fugindo um pouco até da sonoridade comum que encontramos na carreira de Kali), com um quase pop anos 2010 bastante dançante.
Com uma dimensão ampla do que se trata um sentimento tão nobre, Kali mostra que conhece todos os espectros do amor e da natureza, tal qual Afrodite. Assim, em Red Moon In Venus (e em qualquer coisa que faça), a colombiana faz com que nos sintamos como meros mortais através de movimentos sonoros mínimos. Não nos resta fazer nada, a não ser venerá-la.
A cantora se apresenta no dia 24 de março no Lollapalooza Brasil e já anunciou um novo álbum ainda para esse ano.
Kali Uchis – Red Moon In Venus
Lançamento: 3 de março de 2023
Gravadora: Interscope
Gênero: R&B, Pop
Produção: Aaron Paris, Albert Hype, Al Shux, benny blanco, Cashmere Cat, Chris LaRocca, Clairmont The Second, DJ Khalil, GRADES, Jahaan Sweet, J.LBS, Josh Crocker, Kali Uchis, Leon Michels, Manuel Lara, Marvin “Tony” Hemmings, MNDSGN, Omar Apollo, P2J, Rodney Jerkins, Sir Dylan, Sounwave, Vicky Farewell, WahWah James, WondaGurl & Yussef Dayes.
Faixas:
01. In My Garden
02. I Wish You Roses
03. Worth the Wait
04. Love Between…
05. All Mine
06. Fantasy
07. Como Te Quiero Yo
08. Hasta Cuando
09. Endlessly
10. Moral Consequence
11. Not Too Late
12. Blue
13. Deserve Me
14. Moonlight
15. Happy Now
