Música é frequência para mover o corpo. David Byrne potencializa essa receita com uma apresentação que combina não apenas qualidade sonora, mas uma presença de palco marcante com coreografias e encenações.
O ex-vocalista do Talking Heads já havia deixado o público pensante do Lollapalooza 2018 em êxtase, com direito até a arco-íris para embelezar a apresentação. Poderíamos imaginar que os fãs de música residentes em Belo Horizonte marcariam presença na apresentação, mas não foi bem assim.
A noite no KM de Vantagens Hall começou vazia com poucas pessoas para assistir Karina Zeviani. Perderam uma artista nacional com um trabalho de qualidade, e um timbre que assemelha bastante a doçura da voz de Adriana Calcanhotto. Teve espaço até para uma referência inusitada a Anitta.
Logo após a apresentação da banda de Karina, o palco passou a ser ocupado apenas por uma mesa com um cérebro decorativo e o som de um passarinho cantando alegremente. Foi assim durante uns bons minutos para criar todo o clima com o público, que nessa altura já começava a preencher um pouco dos espaços vazios da casa.
Até aquele momento, eu estava de boa. Gostei do cenário minimalista com as correntes e tal, mas admito que não tinha a menor ideia do que estava para acontecer. Nesse ponto, é bom ser honesto e dizer que minha expectativa era apenas ouvir algumas coisas mais conhecidas do Talking Heads, “Lazy” e voltar pra casa para dormir. Eu não estava preparado para o que Byrne apresentaria durante os próximos 60, 90 minutos.
Ao meu redor estavam tios e tias dançando como se não houvesse amanhã, com sorrisos enormes estampados no rosto e copos de cerveja nas mãos. Eu me reservei ao direito de usar as mãos para segurar o meu queixo e tentar entender que porra estava acontecendo na minha frente. Não tinha nem como querer fechar os olhos e apenas ouvir as músicas, porque tinha coisa demais para prestar atenção no palco.
Byrne presenteou seus fãs com uma turnê diferenciada e com um conceito completamente diferente de tudo que é comum/tradicional. Ao invés de uma banda parada tocando seus instrumentos, o que se viu foi um grupo de profissionais descalços usando elegantes ternos cinzas.
Me chamou a atenção o desempenho do baixista sósia do lateral-esquerdo da CBF. Não apenas pela sua qualidade técnica e tranquilidade para executar as deliciosas linhas de baixo, mas por manter um sorriso durante toda a apresentação. A energia do cara ofuscou até o charme e carisma de Byrne, e talvez tenha sido um dos grandes motivos para tornar a noite tão memorável.
Mesmo a ausência de “Psycho Killer” não pesou contra o repertório, que incluiu “Lazy” (um dos melhores clipes de todos os tempos!!!) e clássicos como “Burning Down the House”, que acabou sendo cantada em alto e bom som pela turma mineira. Aliás, mesmo com a casa vazia, o público deu um verdadeiro show a parte fazendo o recinto balançar diversas vezes quando começava uma ensurdecedora bateção de pé no chão.
Desde 2004 viajo para shows ao redor do Brasil e tenho a convicção de que essa turnê de Byrne ficará na história. Review de show costuma causar inveja em quem não foi e tal, mas preciso deixar claro que David Byrne deu uma verdadeira aula de como ser moderno, divertido, político e crítico num palco, sem sacrificar a parte mais importante que é fazer o público se envolver dançando e cantando.
Fotos: Alexandre Guzanshe/EM/D.A.Press | Vídeo: Hugo Cesar