O Maracanã recebeu 40 mil pessoas na quinta-feira, 22 de fevereiro, que tinham em comum um único sonho: ver de perto uma das maiores lendas vivas do mundo da música. São Pedro até ameaçou atrapalhar esse encontro tão adiado que parecia fadado a ser mais uma daquelas experiências que a gente teria que se contentar em imaginar ou ver no DVD, mas desistiu e deixou a magia acontecer.
O Pretenders (WOW!!!) fez as honras com seus clássicos cantados alegremente por todos os cantos do estádio mais lendário do país. Bandas de abertura não costumam receber tanto amor assim, mas a turma abriu uma exceção para ver a história sendo feita numa apresentação animada e cheia de energia.
O Maracanã é um dos maiores estádios de futebol do mundo e já recebeu verdadeiras lendas do esporte. Também recebeu muitas lendas do mundo da música, mas quando Phil Collins apareceu no canto esquerdo do palco caminhando lentamente com a sua bengala e recebendo uma recepção calorosa, a sensação foi diferente.
A história de Collins com o Brasil começou lá em 1977, quando o Genesis (que recebeu uma homenagem de encher os olhos com imagens da banda em ação na década de 1970) se apresentou por aqui. Não sei você, mas eu ainda não existia nem nos sonhos da minha mãe. Não conheço ninguém que gosta de música e já tinha idade para ver shows nessa época. Ou seja, essa quinta-feira marcou a realização de novinhos, aqueles não tão novinhos assim, os coroas e os mais experientes.
Qual é o preço de ver uma família com uma menininha vibrando no ombro de uma mãe que não parava de dançar e com alguém que parecia ser o marido e os pais observando? Ver essa festa e a alegria estampada no rosto de todas essas pessoas é o tipo de experiência que faz você ser mais feliz e realizado por ter simplesmente ter feito parte do momento.
Comento disso principalmente para dizer que a noite foi especial porque Phil Collins sabe que é um cara fora da curva. Ele não precisa organizar um repertório perfeito com ritmo e escolha das músicas na hora certa para criar um show do caralho: Basta entrar no palco, escolher as faixas que quiser e tocar sem seguir nenhum roteiro.
Prova disso é que ao começar com “Against All Odds”, Collins optou por seguir um clima mais festivo na noite. Claro que muita gente deve ter amado, mas ela representaria uma experiência mais profunda se recebesse uma preparação especial com outras canções.
E a ausência da música do Tarzan (“You’ll Be In My Heart”) também não ajudou, porém… era o Phil Collins no palco. Qualquer coisa que ele tocasse seria histórica e claro que faltaria uma ou outra canção. A grande lição da noite foi aprender a valorizar o que você tem, não o que queria ter.
“Another Day in Paradise” prosseguiu com a noite e, como um colega na excursão observou, Collins escolheu canções que deixariam seu público feliz e sem perder tempo olhando para o palco e vendo um artista sentado num banquinho vencido pelo tempo. Se tem coisa que Collins ensina, além de valorizar o que você tem, é que se não podemos vencer o tempo, podemos jogar junto e aproveitar para celebrar nossos momentos aqui.
“Wake Up Call”, que provavelmente era uma das coisas mais novas presentes no Maracanã, é uma faixa que fala sobre esse estado de espírito e acabou sendo um dos meus momentos favoritos da noite. “In the Air Tonight” apareceu na hora certa e ver Collins olhando fixamente para frente enquanto cantava foi meio fantasmagórico. A iluminação deu todo o clima necessário para que cada um de nós pudesse cantar os versos juntos com a plena consciência que esperamos tempo demais para viver isso ao vivo.
Ainda tivemos outro momento inspirado em “Easy Lover”, em que o careca deixou seus companheiros de palco receberem todo o reconhecimento por cantarem tão bem e ainda arrancou boas risadas com todo o teatrinho de ser disputado por um homem e uma mulher.
É muito doido pensar que essa noite aconteceu. Phil Collins havia se aposentado em 2011, cancelou a aposentadoria, anunciou uma turnê ironicamente chamada de Not Dead Yet (mesmo nome de sua autobiografia) e em 2018 desembarcou no Brasil. Mais que uma ironia, o que Collins faz é deixar uma mensagem de (encha os meus bolsos de dinheiro) que podemos prosseguir lutando e fazendo o que gostamos.
Se seu corpo não aguentou o tranco, a sua voz permaneceu perfeita e nos presenteou com a realização de um sonho.
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Fotos: Marcos Serra Lima