Existe uma verdade absoluta na vida: gostar de algo é uma experiência pessoal. Esse deveria ser sempre o ponto de partida para qualquer produção de conteúdo, principalmente quando falamos de arte e entretenimento.
Aliás, vou começar com uma provocação: você acredita que só um estilo musical importa? Caso você tenha acenado positivamente com a cabeça enquanto lê, quero te mostrar que concordar com isso é o mesmo que escolher se alimentar apenas de arroz e feijão por toda a vida. Dificilmente vai ter erro. Vai matar a sua fome, você vai se sentir satisfeito… mas, e todos os sabores que existem por aí?
O Rock enquanto religião
Quando comecei com essa história de “falar sobre música”, no começo dos anos 2000, era impensável para mim que alguém pudesse — e até devesse — discordar dos meus gostos musicais. Como ousavam achar que aquele álbum que eu ouvi até irritar todos a minha volta, lá em 2005, não era tão bom assim? Se a minha vida teve como trilha sonora aquelas músicas que hoje mal escuto, era óbvio que todo mundo deveria gostar também, certo?
Foi com essa inocência adolescente que eu peguei a bola e entrei no campo. Criei um blog para mostrar ao mundo tudo o que eu ouvia e foi ali que encontrei um jeito de me conectar com as pessoas sem precisar sair da minha zona de conforto.
Quando somos jovens, carregamos verdades absolutas como quem segura um troféu. Algumas delas sobrevivem ao tempo, outras deixam de ser fundamentais, ainda que sigam presentes; e, existem ainda aquelas desmoronam com novas experiências, conversas e descobertas. Eu, por exemplo, fui um adolescente forjado na máxima de que “o rock é a única coisa que presta e o resto é lixo musical”. Por anos, deixei de lado coisas que fizeram parte da minha formação musical e até senti vergonha de ter CDs das Spice Girls, do Backstreet Boys… cheguei até a reclamar anos depois de um álbum do É o Tchan que, veja você, eu mesmo pedi para minha mãe quando era criança.
Para o João de 2005, rock era lei. Aquele João jamais imaginaria que um dos seus álbuns mais ouvidos duas décadas depois seria feito por João Gomes, Mestrinho e Jota.pê. Mais do que isso: jamais pensou que o ouviria com a mesma empolgação e alegria.
Além das vivências pessoais, o trabalho foi algo que me ajudou a derrubar esse muro. Ao longo da minha experiência profissional, passei por rádio pop, rádio focada em sertanejo e, também, pelas chamadas rádios populares, aquelas que tocam o que está em alta, sem rótulo.
Conciliar isso com o Audiograma e com o meu gosto pessoal foi, aos poucos, me tirando o cabresto. E foi neste processo que encontrei outra verdade absoluta: se você ainda é exatamente a mesma pessoa de dez anos atrás, algo deu errado. Se seus hábitos e gostos são os mesmos de vinte anos atrás — e você ainda se orgulha disso —, algo deu muito errado.
Talvez você já tenha ouvido falar em “paladar infantil” e nunca imaginou ler isso em um texto sobre música, mas eu gosto de aplicar esse conceito ao consumo cultural. Quando criança, a parte que eu mais amava da minha dieta — se assim podemos chamar — era basicamente leite com Nescau, iogurte e biscoito recheado. Legumes e verduras? Passava longe com a mesma determinação que, hoje em dia, eu fujo de um show do Detonautas.
Se meu paladar tivesse se mantido da mesma forma, nunca teria descoberto que uma canjiquinha bem feita é como um abraço quentinho em dias frios ou que a costela de tambaqui tem poder de conquistar o seu coração. Nunca teria provado antepasto de berinjela, macarrão de abobrinha… e a vida seria muito mais sem graça, sabe?
E veja bem: eu não abandonei o biscoito recheado. Ele continua presente, como um amigo de longa data, mas que eu vejo pouco. Ainda que sempre tenha um pacote no armário de casa, ele deixou de ser a única coisa prazerosa da minha alimentação. Hoje ele divide espaço com muito mais sabores. Hoje eu me sinto preparado para ter um jantar com comida árabe na sexta, saborear um churrasco no sábado e pedir uma comida japonesa no domingo. E é aí que está o ponto: ampliar o gosto — musical ou gastronômico — não é trair quem você era, mas te dar mais opções boas para curtir a vida.
Eu falo de comida, mas a analogia cabe em vários campos da vida. Se eu gosto de automobilismo, por que torcer o nariz para a Nascar sem assistir uma corrida sequer e venerar só a Fórmula 1? Se eu adoro teatro, por que me limitar a musicais e não experimentar assistir um monólogo que todo mundo elogia? Qual a graça de viver só de documentários profundos e dramas cults se, às vezes, tudo o que eu quero é me jogar no sofá para ver um filme lotado de clichês adolescentes interpretados por atores que claramente já possuem financiamento imobiliário?
E antes que alguém diga “um é bom e o outro é ruim”, aviso: isso existe em todo lugar. Já comi uma feijoada ruim, já fui a um show ruim de artista que eu amo e já vi filme premiado que me deu sono. O bom e o ruim são inevitáveis e sempre vão fazer parte da vida. O problema é quando você se fecha numa caixa, sem nem se dar a chance de entender o que aquilo representa. Demorei para perceber, mas um churrasco com cerveja gelada e pagode ao fundo não é apenas um evento: é um patrimônio histórico da boa vida.
O fato é que expandir seu repertório não é abrir mão de quem você é, mas ganhar novas formas de ser e de enxergar o mundo. É se conectar com mais pessoas, acumular histórias, ampliar referências e aprender a ouvir de tudo: o belo, o estranho e até o que você jurava não gostar. No fim, talvez a música que você mais precisava sempre esteve em um gênero que você nunca deu chance por um puro preconceito ou preciosismo. E isso, no fundo, vale para a vida inteira.
E como ser clichê faz parte da existência humana: o segredo não é ter um gosto fixo, é ter um gosto vivo.
Imagem de capa criada com Google Gemini.

