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Review: LEALL – Esculpido a Machado

Nos últimos tempos, cresceu a discussão em relação aos artistas de hip-hop que não respeitavam aquilo que pregavam nas suas letras.

Na verdade, essa mesma discussão, em um menor grau, sempre existiu. Porém, com o crescimento das redes sociais e também da exposição, ficou mais fácil identificar esse padrão. Por outro lado, acho que esse tipo de comportamento pode ser tratado como uma minoria; como argumento, podemos falar da cena de grime do Brasil.

O estilo que se popularizou no Reino Unido durante a década de 2000 se mostra cada vez mais aplicável e próximo da realidade das comunidades brasileiras. Com isso, artistas nacionais de grime tem se mostrados fiéis a aquilo que cantam, buscando explorar todos os fatores da sua vivência. É o que ocorre em Esculpido a Machado, disco de estreia de LEALL.

O cantor é considerado um dos grandes nomes do grime/drill no Brasil, e o seu primeiro trabalho é uma forma de mais pessoas entrarem em contato com um artista bastante interessante. Mais do que isso, Esculpido a Machado consegue abordar diversos temas que fazem parte da realidade não apenas de Arthur Leal, mas de milhões de brasileiros.

A diversidade sonora de Esculpido a Machado

Antes de falar sobre a sonoridade diversa em Esculpido a Machado, é legal falarmos da biografia de LEALL, algo que esclarece alguns pontos do álbum, especialmente na forma que ele explora várias sonoridades.

LEALL tem apenas 19 anos, mas desde que apareceu em 2019 com uma série de singles e EPs, sempre impressionou pela maturidade artística. Isso se deve ao fato de o mesmo não possuir referências apenas no grime, mas também em nomes como Jorge Ben Jor, Jorge Aragão, Ed Motta e Mano Brown.

Antes de aparecer no grime, LEALL já se interessava por música, mais particularmente por funk. Entretanto, a forma como a estética e o conteúdo do grime no Reino Unido funcionava fez com que Arthur seguisse essa trilha, influenciado por outro nome do estilo aqui no Brasil: VND.

Saber que LEALL se interessa e tem como referência vários gêneros faz diferença analisando o álbum; as batidas nunca são monótonas e variam muito de um momento para outro, fazendo cada faixa ter a sua própria identidade sonora. Entretanto, o disco não deixa de ser coeso. Outro fator que contribui para isso fica para a produção em si, comandada por diversos nomes como Babidi, Putodiparis e Luna.

Esculpido a Machado e a linguagem nua e crua

Agora falando sobre o disco, um dos pontos fortes vai para as suas letras. Mesmo com tão pouco tempo de carreira, LEALL já se mostra um verdadeiro cronista, com versos que conseguem impactar pela dureza, veracidade e que não deixam de buscar uma certa beleza à essa realidade.

A intro do disco, “Na Barriga da Miséria”, já impressiona nesse sentido. Nele, LEALL traz alguns dados sobre as periferias do Brasil:

“O meu país tem 5.570 municípios e mais de 6.000 favelas com pelo menos 5 milhões de pessoas. A maior parte dessas pessoas vivem problemas como a pobreza e a falta de recursos sociais adequados. A grande parte dessas favelas são dominadas pelo tráfico de drogas. Pesquisas afirmam que 54% das pessoas que entram pro tráfico tem entre 13 e 15 anos de idade e 40% já tentaram sair, mas voltaram pela precariedade que encontraram.

A história que você vai ouvir agora, é uma história que acontece com pelo menos 2 em cada 10 jovens do meu bairro, que na barriga da miséria nasceram brasileiros…”

Em “Duas Pistolas”, LEALL mostra toda a habilidade do seu flow enquanto denuncia a violência da tal “polícia pacificadora”:

“Eles falam que é pra pacificar
Nós sabe bem que é pra oprimir
O Iraque é aqui!
Operação na hora de estudar”

“Desfile Bélico”, colaboração do cantor com seu parceiro VND, cria um universo de filme de terror (que é infelizmente real) por meio dos beats mais sombrios e das rimas:

“Bala perdida, alma jogada
Mais um corpo caído na calçada
Tu se acostuma ou tu se pasma
Por prata e Prada tu vira um vira-lata”

Mas assim como essa estética mais sombria da realidade, sobra também momentos mais positivos como em “Posso Mudar o Meu Destino”:

“Posso mudar meu destino
Eu posso mudar meu destino
Não seja cego, jovem negro
Não sinta medo, jovem negro
Sem desespero, jovem negro
Você pode escolher seu caminho”

O fato é que todas as faixas de Esculpido a Machado, em todos os seus versos, se relacionam com a desigualdade do Brasil. É curioso também que LEALL consegue abordar vários pontos de vista nesse universo; em “Encomenda”, o rapper relata o plano que alguém que acaba entrando no crime tem para ser bem-sucedido. Mas ele passa longe de glamourizar essa situação, algo que fica explícito em “Portas Abertas, Caixão Fechado”. Nessa canção, os versos contam como a desigualdade traz um ciclo vicioso de violência e morte para o jovem negro, independentemente do seu envolvimento com o tráfico ou não.

Vale destacar a faixa que leva o título do registro, em que LEALL deixa claro como o racismo é mortal no Brasil:

“Jovens negros se sentem na candelária
Jovens brancos têm surtos psicóticos
Vontade de ser favela, eu matarei seu racismo velado”

Por fim, a canção que encerra o trabalho, “Pela Minha Área”, faz referência a uma série de violências que a população negra sofre e já sofreu no Brasil. A área de Arthur é a área de milhares que moram no país. Essa violência é internalizada no refrão, em que o mesmo repete incessantemente: “Menos um na estatística”. Consequentemente, fica claro como, se você é negro, você será vítima do Estado e pouco importa quem você é.

Esculpido a Machado é mais um capítulo importante para o grime nacional

Com Esculpido a Machado, podemos ver como o grime vem se consolidando como o principal estilo do hip-hop nacional. Apesar de ser um estilo que veio de fora, já vemos diversos elementos daqui, e Esculpido a Machado é um exemplo disso.

Seja pelos beats ou pelos versos, o grime vem se tornando uma grande voz da realidade no país. Por isso, vale a pena visitar o trabalho de LEALL, que com seu disco de estreia, já se coloca como um dos principais nomes da cena brasileira.

Capa de Esculpido a Machado, álbum do LEALL.

LEALL – Esculpido a Machado

Lançamento: 2 de Março de 2021
Gravadora: LEALL
Gênero: Grime
Produção: Babidi, D II GO, Luna (BR), Nagalli, Putodiparis, Tarcis & VHOOR

Faixas:
01. Na Barriga da Miséria
02. Pedro Bala
03. Duas Pistolas
04. Desfile Bélico
05. Encomenda
06. Pedras Amarelas
07. Portas Abertas, Caixão Fechado
08. Cadeia ou Morte?
09. Lamentações 2:19
10. Esculpido a Machado
11. Posso Mudar meu Destino
12. Pela Minha Área